terça-feira, 22 de setembro de 2009

Dia Mundial sem Carro - Oded Grajew

No Dia Mundial Sem Carro, 22 de setembro, diversas atividades (programação no site www.nossasaopaulo.org.br) visam chamar a atenção da sociedade sobre os graves problemas causados pelo modelo de mobilidade adotado nas cidades que privilegiam o transporte individual e o automóvel.
Nesse modelo, o trânsito das grandes e médias cidades brasileiras ocupa um tempo precioso de todos os que nelas vivem, estudam e trabalham -o paulistano desperdiça, em média, duas horas e 43 minutos todos os dias nos congestionamentos. Tempo que poderia ser usado para o lazer, a cultura, para namorar, para estar com amigos e familiares.
Não bastasse todo esse tempo perdido, ainda ficamos expostos a um trânsito totalmente poluído, causando tumores e inúmeras doenças respiratórias e cardiovasculares. Estudos da Faculdade de Medicina da USP apontam que, apenas na cidade de São Paulo, morrem, em média, 12 pessoas por dia devido à poluição, encurtando a vida média do paulistano em um ano e meio.
Além do custo em vidas, os impactos operacionais e financeiros no sistema de saúde causados pela poluição são imensos. No mesmo sentido, é importante lembrar que o setor de transportes é responsável por 15% dos gases que causam o aquecimento global e a mudança climática.
O diesel e a gasolina consumidos no Brasil estão entre os piores do mundo, e a indústria automobilística fabrica motores menos poluentes apenas para exportação. Apesar disso, tramita no Congresso um projeto de lei que permite a comercialização no Brasil de carros leves a diesel.
Com a qualidade atual do diesel brasileiro (contendo altíssima quantidade de enxofre) e a tecnologia dos motores que a indústria automobilística utiliza no Brasil, a aprovação dessa lei resultaria na morte adicional de milhares de brasileiros por ano.
A inspeção veicular, obrigação dos governos estaduais e dos grandes municípios, ainda está muito longe de cumprir seu papel.
Nos acidentes de trânsito, morrem cerca de quatro pessoas por dia na cidade de São Paulo -44% pedestres, 18% motociclistas, 9% passageiros ou motoristas de autos e 3% ciclistas.
Nos últimos cinco anos, o Departamento Nacional de Trânsito teve à disposição R$ 415 milhões (provenientes das multas) para investir em projetos de redução de acidentes. Só R$ 5,3 milhões foram repassados!
Estudo da FGV calcula que a cidade de São Paulo deixa de gerar R$ 26,8 bilhões por ano devido à perda de tempo nos congestionamentos e aos custos totais ligados a acidentes e doenças derivados do trânsito.
Muitos fatores alimentam esses números sinistros. Nosso modelo de desenvolvimento urbano promove enorme desigualdade social, que obriga milhões de pessoas a se locomoverem por grandes distâncias para ter acesso ao trabalho e aos serviços e equipamentos públicos. Vivemos, cada vez mais, um modelo de mobilidade e transporte que oferece todos os incentivos possíveis para a locomoção por meio do automóvel.
Enquanto isso, os investimentos em transporte público coletivo continuam se arrastando lentamente.
Bilhões de reais que poderiam melhorar imediatamente o transporte público são gastos em túneis, novas pistas e avenidas que em pouco tempo estarão entupidas (são 800 novos carros por dia nas ruas de São Paulo!).
O governo federal promove incentivos fiscais e creditícios para a indústria automobilística sem a contrapartida de motores menos poluentes e matriz energética mais limpa.
Para mudar esse quadro, não faltam exemplos e propostas: dar prioridade absoluta para metrô, trens e corredores de ônibus; estabelecer políticas para facilitar e incentivar a locomoção por bicicletas; melhorar a qualidade do diesel e da gasolina e incrementar o uso de combustíveis mais limpos; comercializar no Brasil automóveis, ônibus e caminhões com a mesma tecnologia menos poluente que a indústria automobilística utiliza na Europa e nos EUA; oferecer segurança para o pedestre, calçadas de boa qualidade, acessibilidade universal para os deficientes físicos, rigor nas leis de trânsito e programas de educação cidadã; implementar inspeção veicular em toda a frota automobilística; redimensionar os investimentos públicos para diminuir a desigualdade social e regional na oferta de trabalho e no acesso a equipamentos e serviços públicos para diminuir a necessidade de deslocamentos.
Cabe à sociedade convencer os governos a priorizar, acima de localizados e poderosos interesses econômicos, a qualidade de vida dos cidadãos.

ODED GRAJEW , 65, empresário, é um dos integrantes do Movimento Nossa São Paulo e membro do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. É idealizador do Fórum Social Mundial e idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq. Foi assessor especial do presidente da República (2003).


FONTE: Jornal A Folha de São Paulo 20/09/2009

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