segunda-feira, 19 de abril de 2010

Mamãe, o monge e o oficial

Hoje de tarde eu liguei para minha mãe. Ligo para ela quando sinto que tenho algo especial para dividir e não sou de ligar todo santo dia. Meu dia a dia não é tão cheio de coisas especiais, mas hoje eu senti vontade de contar umas coisinhas que se passavam aqui dentro.

Contei que tenho me sentido cada vez mais atraído pelo mundo da Educação. Ser aprendiz e ser educador, ser inspirado e ser inspiração, conduzir e ser conduzido. Gosto da emoção vivida no processo de aprender seja no papel do aprendiz, seja como educador. Atualmente aprendo Alemão e minha professora Andrea Khrom quando não é minha professora de Alemão é minha aluna de Aikido quando lá eu sou o professor. Muitas vezes alterno meu papel de consumidor e fornecedor de conteúdo e pulo de professor para aluno com facilidade. Gosto da vida que mora no aprender quando o processo é genuíno, pois sabemos que existe a triste experiência onde uns fingem que ensinam e outros fingem que aprendem. Isso não é educação e devia se chamar fingimento ou farsa. Falo de educação como aquele momento mágico onde aprende-se algo pela urgência da necessidade, pela convivência com alguém que ama o que faz ou pelo puro prazer de descobrir algo novo. E isso costuma acontecer muitas vezes bem longe das salas de aula ...

Minha mãe interrompeu essa conversa toda para fazer umas perguntas bem de mãe: Filho, você têm diploma de educador? E se alguém lhe perguntar a sua formação? Você não é arquiteto? Dizer que é professor tudo bem mas para ser educador tem que ter estudado Pedagogia, não? Acho melhor dizer o que você é, arquiteto, e não educador...

Minha mãe é maravilhosa e nossa comunicação é absolutamente franca. Ela diz o que pensa sempre e isso é o melhor de tudo. As vezes não é o que eu espero ouvir. Simples. Na hora eu senti um misto de surpresa, indignação, tristeza e indiferença. Nesta ordem. E ao final, percebi que ela fala exatamente aquilo que uma pessoa normal pensa, mas não fala.

Em 2002, quando contei animado que iria começar um projeto de educação pelo Aikido para crianças da comunidade (favela) do Jardim Jaqueline ela foi direta: - Filho, você precisa ir lá? É perigoso! Com o tempo ela percebeu que não só era o lugar onde eu mais me sentia seguro como foi gratificante perceber o impacto daquele projeto no dia a dia da casa onde atuamos voluntariamente por 6 anos.

Esta conversa com minha mãe me lembrou a historinha do monge religioso sendo interrogado por um oficial de imigração num país muito conhecido pelo rigor em suas fronteiras ...

- Religião? Perguntou o oficial.
- Todas, respondeu o monge.
- Sinto muito, mas todas não pode. O senhor não pode entrar no nosso país.


O monge fez uma breve pausa e logo respondeu uma segunda vez ao oficial:

- Nenhuma! Não tenho nenhuma religião.
- Ótimo. Nenhuma pode. Seja bem-vindo ao nosso país.

;)




5 comentários:

Unknown disse...

Querido,
Seu texto, como sempre, uma delícia!
Mamãe... Realmente, maravilhosa. Mas reconheço muito bem este misto de sensações que vc descreveu... hehehe...
beijos,
tua irmã

Daia Mistieri disse...

A mama, no mínimo, te fez produzir esse texto.
Ela fala o que uma mãe normal fala.... e viva as mães!!!!

Marcio Svartman disse...

Caro Bueno,
Vindo de uma família onde todas as mães são judias, conheço bem esta dinâmica. E nós, humanos de qualquer idade, passaremos a vida clamando por um pouco de aprovação materna pra brindar realizações que já estão brindadas. Mas o olhar vem sempre com preocupação amorosa que se traduzirá em comentários broxantes. rsrs. A única reação que não é amor é a indiferença. E isto não foi o que ela te deu.

José Bueno disse...

Nos últimos dias este blog tem estado com cara de divã. Um divã diferente, com janelas e portas onde os amigos entram, dão uma espiada, comentam. O resultado é que tem me feito muito bem escrever por aqui, e por que não, sendo como a minha mãe: digo o que penso.

Mamãe esta numa fase difícil. Ela é a grande parceira do meu pai que completou 88 anos este ano. Ela está tristonha em percebê-lo mais cansado e esquecendo das coisinhas mais banais. Ele que sempre foi o homem vigoroso hoje mais parece um menino que precisa mais que nunca dos seus cuidados.

Mamãe não quer ouvir falar de mudanças, revoluções e giros. Ela parecer mostrar em cada gesto que quer que tudo prossiga de modo seguro e sereno, sem solavancos.

Na quarta, Daia e eu vamos levá-los ao cinema para ver o filme sobre o Chico Xavier.

Unknown disse...

Resumido e ampliado, como gostava de dizer o Weiss: Mamãe nunca foi sopa!