quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Aprender a morrer

A experiência de deixar o carro na garagem em setembro e achar outros jeitos de me mover na cidade, abriu uma avenida de descobertas. Tenho muita coisa para contar e o que me falta é tempo para organizar tudo que ganhou uma clareza maior para mim.

Antes de tudo quero falar de dessa coisa que parece tão simples: mudar um hábito. Deixar o carro na garagem me levou a mexer em outras coisas, por exemplo, o jeito de me vestir. Acessórios que não usava nunca como capa, guarda-chuva, mochila e o chapéu que ganhei da Mariana no meu ultimo aniversário. E passei a usar botas impermeáveis. Visitas ao site do SPTrans para estudar o trajeto e uma espiada no site do Climatempo passaram a ser fundamentais para planejar o dia. Ouvi uma pérola sobre o tempo maluco desta cidade: se você não gosta do clima em São Paulo, espere 15 minutos ...

Quando saio de bicicleta, e isso acontece normalmente às segundas e quartas, o traje é outro. Short almofadado, luvas, capacete, tenis e novamente a mochila onde guardo uma capa de chuva, uma cueca, uma camiseta e um desodorante. Também carrego meu bloco de rabiscos e anotações, uma camera digital e um livro leve.

Para circular a pé, de ônibus ou de bicicleta, o corpo tem que estar em cima. São Paulo tem ladeiras, escadarias, buracos na rua e na calçada, os pontos de onibus não estão na porta da casa nem no lugar exato do destino e deixar o carro de lado envolve ter fôlego e pernas. Para chegar em casa no alto do Butantã eu encaro ou a ladeira ou a escadaria. Já me peguei algumas vezes botando a bike no ombro para subir os 100 degraus da Vila Indiana. Ficar sem carro ajuda a saber como anda a saúde. Logo o corpo avisa como estão os joelhos, a coluna, o coração, os pulmões e a circulação. Acredito que ser sustentável - palavra da hora e fácil de encontrar por aí- começa em cuidar do próprio corpo.

Sem carro encontrei pessoas e lugares nunca vistos, muito mais que os buracos e barulhos da cidade. Isto para mim seria motivo suficiente para deixar para sempre o carro na garagem. Carro demais cega, ensurdece e isola. Entre muitas histórias de encontros e descobertas pela cidade, ontem, num intervalo de duas horas, cruzei com duas pessoas que não via há muito tempo, Thales Trigo e José Passarinho. O primeiro foi meu professor de ótica no cursinho e hoje é dono de uma escola de fotografia em Pinheiros. O segundo, contemporaneo da época da FAU, hoje é consultor da Positioning e conhecido do público em geral pela sua presença em peças publicitárias do Itaú. Encontrei os dois andando de bicicleta por Pinheiros e foram duas conversas diferentes. Uma breve, a outra longa e inspiradora. Na porta da Fnac, conversei com Passarinho sobre várias coisas entre elas minha experiência como blogueiro desde maio deste ano. Terminei o papo encorajado a seguir escrevendo a despeito de achar que ninguém lê o que escrevo. Sério. Tenho a sensação de estar jogando garrafas ao mar ... alguém ai tá lendo?



E o que isso tudo tem a ver com aprender a morrer?

Volto aos insights do Setembro sem Carro. Deixar um hábito é morrer um pouco. E acho que a dificuldade de mudar um hábito pessoal ou social é porque se requer a capacidade de saber morrer. Simples assim: é difícil mudar por que mudar é morrer. Ninguém gosta de morrer, de deixar de lado coisas que fizeram parte de uma vida. Todo mundo fala das mudanças necessárias para uma vida melhor, para uma cidade melhor, para um mundo melhor. Mas quem aceita mesmo o jogo de morrer um pouco? Quem topa deixar na estrada um velho hábito? E quem disse que morrer para um hábito será um sofrimento. Que tal prazer? Um prazer associado a sensação de liberdade e independência.

Quero continuar esse jogo de brincar de morrer um pouco todo dia. Mexer com hábitos como um exercício lúdico de desapego. Uma auto-provocação para procurar outras formas para atender minhas necessidades de comer, mover, relacionar, aprender, divertir, etc. Quem sabe um grande treino para desapego final?

E se subir escadas fosse mais divertido que pegar a escada rolante?


Começo a desenhar um novo jogo: no beef, no beer, no bread. Dois meses deixando de lado três coisas que adoro: carne, cerveja e pão. Simplesmente um jogo de liberdade. Um amigo já reagiu dizendo: No fun? Ao contrário! Lots of fun. No belly!!!! Quero continuar a subir escadas, correr e pedalar, seguir minha pratica de Aikido e chegar aos 50 anos leve. E não vou deixar de comer outras carnes como frango, porco e peixe. Elegi a carne vermelha depois de saber que 1 kg de carne consome 14.000 litros de água para serem produzidos, que a Amazônia esta virando um imenso pasto, que a quantidade de bois ultrapassa o numero de gente no Brasil e que o gás metano do nosso gado polui mais que o CO2 dos carros. E vou deixar as cervejas de lado mas não os vinhos. Deixarei os pães mas não as massas. No fundo a pergunta é: como seria passar dois meses sem estas três coisas? Deliberadamente e com prazer.

Anos atrás participei de uma experiencia única chamada Kyol Che: sete dias de retiro de silêncio. Vaca amarela total! Alguns me disseram: - Ah, se eu fizer isso eu fico louco! Ao voltar minha percepção era bem diferente: fazer isso de vez em quando é uma ótima maneira de não ficar louco ...

Logo trago mais detalhes do novo jogo.
No beef, no beer, no bread. 1º de novembro à 31 de dezembro.

Alguém topa vir comigo?

16 comentários:

Bruno Chenque disse...

Esse post me lembrou um pouco um conceito que vi no livro "condição humana", da hannah arendt: aprender a morrer. ou seja, o título do post. além disso, me veio à mente uma frase que acompanhava todos os relógios na idade média; "todas ferem, a última mata", que fazia referência ao impacto das horas na vida do ser humano.

Talvez a questão realmente seja aprender a morrer e não a viver, pq aprender a morrer pode ser uma atitude de vida. Ao focar na morte, paramos de esperar pelo dia de amanhã e passamos a nos reinventar, deixamos de nos preocupar com coisas pequenas para focar apenas no que realmente importa.

Enfim, é uma maneira interessante de encarar a vida. Se reinventar, experimentar outras possibilidades, deixar parte do hábito de lado, sair do automático. Ter o que contar...

Outra ótima iniciativa, Zé. muito inspirador.

ps.: acho que a sensação de que ninguém lê os posts é um pré-requisito para blogueiros. tendemos a achar que a leitura está relacionada à quantidade de comentários feitos (eu acho isso, pelo menos). de qualquer forma, seria legal se o pessoal escrevesse pelo menos um "ok" nos comentários :P; tipo um "estive aqui"

rita brant disse...

É muito bom quando alguém lê o que a gente escreve. Mas também é muito bom a gente mesmo se ler. É como jogar pedras no caminho pra sinalizar uma possível volta ou só para saber como é que se caminha.

Antonio Goper disse...

primeiro quero refirmar que acompanho e leio seu blog.
e depois, deixar um velho hábito não é somente morrer um pouco mas é antes de mais nada nascer para algo novo.
como completar um ciclo: só nasce se morre.
um grande abraço.

Cris Tarcia disse...

Ola! Adorei o seu texto, realmente precisamos mudar os nossos habitos, bem eu não como carne e nem bebo agora o pão rsrsrs, mas dou o maior apoio pra você. Eu tb preciso mudar muita coisa como tomar coragem e caminhar, ja estou com 50 anos e resolvi que vai ser a melhor decada da minha vida. Em fez de cortar o pão vou caminhar,ok
Você passa muita força de vontade , sempre leio os seus textos, vou deixar sempre um comentario.
Um agrande abraço e estou esperando as suas novas experiencias. Até

José Bueno disse...

Opa!

Essa coisa toda de blog é nova para mim. Gosto de escrever e desenhar. Tem sido meu jeito preferido de distorcer a realidade com meu olhar e pensar as coisas.

Como aikidoka gosto da interação, saber que tem gente do outro lado concordando, discordando, somando, devaneando comigo, sei lá, bateu a curiosidade de saber quem está do outro lado.

Como a Rita escreve, tem algo de muito bom em escrever para si mesmo, falar em voz alta e, quem sabe, depois de um tempo reler e perceber onde estava e o que sentia.

Bruno, Goper e Cris, legal saber que vcs estão aí do outro lado abrindo e lendo o conteúdo das minhas garrafas.

Alguém mais por aí?

George disse...

Sempre passo por aqui...

Algo como uma "vitrine de loja" que se gosta de passar de vez em quando, sem necessariamente entrar na loja. Faço a comparação não pelo ato de consumo, mas pela oportunidade de ter contato com algo inspirador. Algo que alguém intencionalmente formatou para mostrar para o mundo. Acho que se uma loja usa a vitrine para vender, você usa esse blog para mudar o nível de consciência dos "transeuntes".

Hoje resolvi entrar e manifestar que essa "vitrine" funciona muito bem!

Aprender a morrer com certeza é um dos desafios maiores. Vamos todos encarar esse aprendizado da melhor maneira de cada um.

Grande abraço.

Passarinho disse...

Zé, aprendi muito naquele nosso papo em frente à FNAC. Até liguei para nossa amiga Silvia, depois, e disse para ela que você passou um recado que ela já tinha me passado. Seu blog é ótimo, tenho certeza que muito, muito lido. Mas comentário poucos fazem mesmo.
Abraço,

Anônimo disse...

Olá Bueno! também estou por aqui... aqui do outro lado... chuvarada aqui no sul... pedras caindo do céu... café e preguiça rss... peguei o note e lembrei do teu blog! tecnologia a nosso favor!rss criando e permitindo interações!
esse é o desafio... desafio diário... interação! interação com pessoas de todo tipo, com necessidades diferentes, com perspectivas "da vida" diferentes... tu escreve isso... mostra isso nesse blog... se libertar do carro é sair do casulo... é enfrentar essa interação diária... sem saber quem vem amanhã ao nosso encontro... talvez alguns não o façam por falta de coragem... o carro protege... é a "carcaça" de muitos rss interagir é liberdade... quem se permite interagir é livre! rss
um abraço , continue !
Cláudia

Daia Mistieri disse...

Zé, não resisti e resolvi escrever.

Acredito que ao escrever algo é natural o desejo de ser lido. Queremos sempre um retorno do que fazemos. Mas nem sempre vem e ... tudo bem.
Gostei de algo que o Oscar Motomura disse recentemente numa palestra quando contou a história de dois amiguinhos que conversavam e um disse:
- ensinei meu cachorro falar
o outro ansioso e entusiasmado disse:
- uau, quero ver vamos lá
e o garotinho disse:
- calma, eu disse que ensinei e não que ele aprendeu.

Tá aí: vc escreve, faz textos, dicas incríveis e admiráveis e pronto. O resto é com a gente.

E quanto ao aprendizado de morrer, ficou pra mim o que o Antonio Carlos colocou: "deixar um velho hábito não é somente morrer um pouco mas é antes de mais nada nascer para algo novo.
como completar um ciclo: só nasce se morre". Excelente.

É isso marido!

Um beijo e continue nos presentiando com suas criações, histórias e textos.

Daia

felipetinoco disse...

Olá Bueno,

Mesmo antes de acessar o blog e assistir ao vídeo, já havia lhe "dito" por e-mail o quão especial é o seu texto e principalmente sua experiência. Vivenciar, "experenciar" para depois “teorizar”.

O que posso dizer é que me senti, mais uma vez, contagiado.

Grande abraço

Claudio Cardoso disse...

Zé,

O seu blog não é apenas lido, mas seguido. Tá feito. Vou lhe acompanhar nessa onda de no beef, no beer, no bread de 1o de novembro a 31 de dezembro. E olha que ficar sem uma cervejinha no início do versão da Bahia é aprender a morrer duas vezes. Tem pelo dois nessa: eu e você.
Beijo, do amigo.
Claudio

José Bueno disse...

Olá pessoal

Na boa, é muito bom saber que tem gente do outro lado! Sei que a maioria das pessoas que visitam um blog não para para comentar. Dá apenas uma espiada para saber das novidades como quem passa pela vitrine de uma loja como o George escreveu.

Mas confesso minha alegria em poder ler comentários generosos de amigos como Claudia que trouxe de Porto Alegre o desafio diário da interação, Claudio de Salvador que acaba de topar o jogo no beer, no beef, no bread (show!), Felipe que torna explícita sua amizade e deixa-se contagiar por minhas aventuras a pé, Daia que enriquece o blog citando uma pérola do Motomura e Passarinho que na porta da FNAC foi mega importante ao me animar a continuar escrevendo minhas percepções por aqui.

Apareçam sempre!
Abraços e beijos.

Eduardo disse...

Zé, depois daquele encontro no elevador de casa, decidi entrar no seu blog pra saber mais da experiência "sem carro". Mas a correria do dia a dia me fizeram esquecer e quando me lembrava nunca estava com o computador à mão. Hoje deu certo. Estou super encantada com essa ideia da liberdade, rs, que resulta em maior qualidade de vida. No entanto, não é fácil fazer essa opção porque, apesar do prazer, essa ação requer uma certa disciplina. Espero conseguir chegar lá, como você. Parabéns por essa iniciativa.
Bjs,
Alessandra (104B).

Anônimo disse...

Inspiradora sua iniciativa! Me atingiu (pelas vias não lineares da interação cibernética) aqui no sul do RS. Ví o vídeo e fui conferir mais no blog.

Não vou 'fechar negócio' contigo (por enquanto) mas vou experimentar deixar mais o meu carro na garagem. Fui pedestre boa parte da minha vida e confesso que não tenho saudades da minha vida de passageiro de ônibus urbano, mas os tempos são outros, e precisamos rever (rápidamente) conceitos e hábitos. Como disse o Bruno Chenque, sair do automático, ter o que contar (essa bateu em cheio, na boca do estômago). Obrigado por inspirar!! Abraço, Alexandre

José Bueno disse...

Ale, bom dia!
Vc falou em elevador e eu lembrei de escada rolante em metrô. Taí outra coisa que eu estou trocando por escada escada. Aquele vídeo da escada piano(Fun Theory) não é o máximo? Eu não vou esperar colocarem música nos degraus para deixar a escada rolante. Tenho a sensação que esse negócio de "aprender a morrer" e buscar novos caminhos é mesmo excitante. Mas não penso em disciplina como voce comentou. É certo que há um compromisso declarado em mudar um hábito e este blog tem me ajudado a mantê-lo vivo, compartilhado e enriquecido. E com imenso prazer.
Ale do Sul
Que fantástico ler tuas palavras citando o Bruno e saber que essa história toda de mexer nos hábitos urbanos, sair do automático e ter o que contar, bateu em cheio na boca do teu estomago! Esta conversa nossa por aqui foi parar também no blog do Instituto Ethos onde escrevi algo sobre desapego e sustentabilidade. Se quiser acompanhar a conversa por lá também o endereço é: institutoethos.blogspot.com
Abraços e até breve!

neurofase disse...

No mínimo fiquei muito emocionada ao sentir que a emoção de viver ainda não morreu.

Parabéns por você!

Um abraço e não deixe de escrever.

Marilda